sábado, 11 de fevereiro de 2012

Paracetamol

Quatro noites dormindo com a janela do quarto aberta. O calor era intenso e eu precisava desse pouquinho de ar noturno pra não morrer sufocada e afogada no meu suor. A cortina se balançava com a pequena quantidade de vento que havia lá fora. Conforme ia me aprofundando mais no sono, me livrava do lençol que até então estava em cima de mim. Mas não deixo que ele caia no chão. Mantenho o lençol enroscado em minhas pernas e braços. Preciso de algo pra abraçar, pra pegar, pra sentir, mesmo quando está tão quente que não suporto nem meus próprios pelos sobre a pele. Quatro noites dormindo com a janela aberta somados ao banho de chuva que tomei no domingo. Maior banho de chuva da minha vida. Daqueles que tu pode dizer, sem dúvidas, que lavou a alma. Mas eu lavei muito mais o corpo. Meus cabelos pingavam e minha blusa parecia ser uma extensão da minha pele de tão grudada em mim. Muita água. Muito vento. Muito sereno. Gripei. Acordei com dor de garganta, espirros, tosse e uma voz de travesti. Mentira, acho que travestis tem uma voz bem mais bonita que essa. Algumas palavras custam a sair e a risada sai toda falhada. Meus companheiros hoje foram um rolo de papel higiênico e um Afrin na cabeceira da cama. Dor no corpo, vontade de dormir pra sempre, esquecer que existe vida fora da minha casa, do meu quarto, do meu corpo. Às vezes parece que não existe vida nem dentro do meu corpo. Mas aí vem uma chuva e me lembra que existe, sim. Vem o sol queimando minha pele e me lembra que eu ainda sou capaz de transpirar, de sentir calor ou qualquer outra coisa que seja. Vem uma gripe em pleno verão pra me lembrar que eu tô viva.
Essa noite demorei pra dormir. A janela estava fechada, o calor me fazia querer arrancar cada fio de cabelo que me esquentava mais ainda e os pensamentos não queriam deixar minha cabeça descansar. Pensei em tanta coisa, em tanta gente, em tantos dias que já se foram, em tantos momentos que nunca mais vão se repetir. Às vezes tenho vontade de gritar e pedir com toda a minha força que eu quero tudo de volta. Que eu quero tudo outra vez. Do jeito que era. Do jeito que eu pensei que nunca seria. Nunca foi. Talvez só na minha cabeça. E, sabe, minha cabeça tá cansada. De pensar, de imaginar, de sonhar com o impossível. E já são duas da manhã e ela não consegue se desligar do mundo. Levanto, tomo um paracetamol, uma água com açúcar, qualquer coisa que me faça dormir. Coloco mais Afrin no nariz pra ver se ele para de escorrer. Vou até o banheiro e volto pra cama. Antes de deitar, eu fico sentada, pensando em tudo mais uma vez. Pela última vez. Porque depois vai ser só eu, meu travesseiro e os sonhos do sono, aqueles que não tem pretensão nenhuma de acontecer. Mas como eu queria que alguns acontecessem. Como eu queria que fosse assim tão fácil. Fechar os olhos e só ver tudo acontecendo naturalmente. Sem precisar fazer força nenhuma, sem sentir dor, sem precisar carregar papel higiênico pra limpar o nariz. Nunca fiquei gripada num sonho. Nunca senti calor nos sonhos. Queria dormir pra sempre. Sonhar pra sempre. Parar de pensar. Parar de espirrar. Mas, felizmente, isso não é possível. Tenho que continuar aqui, tentando dormir com esse calor, com o lençol enroscado nas minhas pernas e o travesseiro atravessado de uma forma que eu quase posso abraçá-lo. Porque eu quase consigo. Abraçar e dormir. Eu quase consigo. Parar de pensar e parar de querer tanta coisa em tão pouco tempo. Eu quase consigo. E durmo. Mas não pra sempre. Durmo pra acordar amanhã novamente e ver que o sol ainda está lá fora e minha gripe ainda está aqui dentro e minha voz ainda não voltou ao normal. Mas sempre tem um amigo pra dizer que me ama mais do que a minha voz e outra amiga pra rir da minha situação e outra pra dizer bem feito, quem mandou dormir com a janela aberta? E sempre tem minha mãe pra concordar com essa amiga, mas depois pedir se eu quero tomar mais um pouco de xarope pra parar a tosse. Sempre tem mais um dia pra viver, mesmo que a gente não saiba se vai mesmo ter mais um dia depois desse. Então eu durmo, acordo, durmo, acordo. E sonho. E tomo banho de chuva. E me queimo no sol. E dou risada de tudo e de mim mesma. E falo, mesmo com a minha voz de travesti. E gasto mais um rolo de papel higiênico. E vivo. Porque a vida é muito, muito complicada. Mas sempre vai ter alguns amigos pra te fazer bem e um paracetamol pra te fazer dormir. Mas não pra sempre.

Um comentário:

  1. Pensar pensar pensar, não é incrível como nossa cabeça ainda não explodiu? ótimo texto.

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