é o que nos dizem. Um dia vou lembrar de quando eu ouvia as pessoas falando sobre coisas ilegais e fingia não me interessar/não gostar, quando na verdade eu queria fazer parte daquilo por alguns instantes. Um dia eu vou lembrar das festas em que eu subi no palco, dancei e vi algumas pessoas me olhando e perguntando umas às outras o que tinha acontecido comigo. Um dia eu vou lembrar de ter rido dessas pessoas. E vou rir mais ainda. Um dia eu vou lembrar das cervejas e das quatro tequilas bebidas de graça após uma comanda encontrada no chão. E da volta pra casa, pelas ruas frias e vazias da cidade, apenas sob o som dos nossos risos. Um dia eu vou lembrar do medo que eu senti em diversos momentos. Medo das pessoas, de olhares estranhos em minha direção, medo até mesmo de morrer ou de ver alguém morrendo na minha frente. Um dia eu vou lembrar dos cigarros que eu tentei fumar. Não sei tragar. O que tenho aqui dentro já é intragável o bastante. Um dia vou lembrar das vezes em que tirei a roupa por impulso, em que me deixei levar por sensações momentâneas e vou sentir nojo. Nao posso consertar, mas posso, sim, me arrepender. Só não se arrepende quem não está vivo. Quem só existe. Um dia vou lembrar das músicas que me faziam levantar da cadeira mesmo quando meus pés já doíam, mesmo quando o que doía mais era meu coração. Um dia vou lembrar das mesas arremessadas pela sacada, das meias deixadas em galhos de árvores, dos amigos sentados na calçada. Um dia vou lembrar das meninas. Dos banheiros. Dos bilhetes. Da vontade estranha que surgia em momentos inoportunos. Um dia vou lembrar do colchão vazio ao lado da minha cama pois, quem devia estar nele, estava do meu lado. Um dia vou lembrar de todos os textos que escrevi, de todas as cartas que mandei. Será que ainda guarda? Um dia vou lembrar da minha vida bilateral, dos meus romances que não saíam do papel. Um dia vou lembrar da minha maquiagem borrada, às vezes pela alegria da festa, às vezes pelas lágrimas derramadas em cima da mesa do bar. Um dia vou lembrar do moletom que eu cheirei por alguns dias e devolvi sem usar. É, não usei. Um dia vou lembrar de tantos nãos que eu disse, de tantos sins que eu falei e vou querer trocá-los de lugar. Não vou poder. Foi como tinha que ser. Um dia vou lembrar de quando me disseram eu te amo no meio de uma festa e eu não quis ouvir. Eu não disse eu também. Um dia vou lembrar da água sendo jogada nos meus cabelos, da fumaça impedindo minha respiração. Um dia vou lembrar da fogueira e dos vaga-lumes que apareciam, desapareciam, apareciam e desapareciam. O vômito, a louça lavada de manhã, as flores colhidas no jardim, o medo de cair do balanço. O medo de cair. Um dia vou lembrar do pôr-do-sol visto no melhor lugar do mundo quando eu ainda não dava tanto valor assim à ele. Vou querer voltar pra lá e vou voltar. Pra lembrar de tudo isso. Pra buscar o que um dia pode faltar em mim. Um dia vou lembrar de quando pouco ou quase nada importava, além daquilo que eu sentia. Mesmo sem saber o que eu sentia. Madrugadas insones escrevendo palavras que não fazem sentido algum pra quem lê. Um dia eu vou lembrar que fazer sentido não tem graça nenhuma. E é preciso haver graça, pois um dia vamos rir de tudo isso. É o que dizem.
Meia-noite e um quarto
sábado, 28 de julho de 2012
sexta-feira, 29 de junho de 2012
não é sobre você
já não associo as músicas a ninguém
não imagino que sou a protagonista do filme
não sonho antes de dormir
não escrevo sobre você
não me importo com os outros
não quero demonstrações públicas
só quero sentir algo único
mas não escrevo sobre você
escrevo sobre a dor
escrevo sobre o medo de cair
escrevo sobre não poder
não querer
não saber
as músicas agora são só minhas
os filmes apenas me fazem sorrir
eu sonho só depois de dormir
e você está aqui
nas estrelinhas do que eu ainda não ouso escrever
não imagino que sou a protagonista do filme
não sonho antes de dormir
não escrevo sobre você
não me importo com os outros
não quero demonstrações públicas
só quero sentir algo único
mas não escrevo sobre você
escrevo sobre a dor
escrevo sobre o medo de cair
escrevo sobre não poder
não querer
não saber
as músicas agora são só minhas
os filmes apenas me fazem sorrir
eu sonho só depois de dormir
e você está aqui
nas estrelinhas do que eu ainda não ouso escrever
quinta-feira, 7 de junho de 2012
O que restou do conto de fadas
Passado e presente se misturam num mesmo momento. Pessoas que pareciam ter ido embora aparecem e pessoas que eu não quero que fiquem parecem nunca partir. Não sei mais se eu quero ficar. Não sei mais se eu quero olhar ao redor e ver o que vejo. Escutar as coisas que dizem e as coisas que não dizem mas que ainda assim eu posso escutar. Eu ouço o silêncio. Eu vejo o que ninguém vê. Eu sinto o que parece impossível de ser sentido. De ter sentido. As palavras são mal interpretadas e os sorrisos pré-julgados. Nem sempre estamos felizes. Nem sempre queremos estar onde estamos. Andamos por ruas frias e escuras, ao lado de pessoas que nem sabem o quanto são importantes. Seguramos copos cheios de líquidos ruins e fortes que acreditamos ser a solução momentânea para nossos problemas. Rimos, dançamos e acabamos sentados com a cabeça escorada na mesa desejando nada além do nosso travesseiro, das cobertas quentinhas que nos protegem do frio e do medo. Tudo pode acabar a qualquer instante e não sabemos o que vai começar em seguida. Não sabemos como as coisas vão ser quando mudarem. Porque sempre muda. Sempre há novas pessoas, novas músicas, novos olhares se misturando aos antigos e já conhecidos hábitos. Passado e presente se misturam numa mesma melodia. Sentimentos são jogados no meio da pista de dança e pisoteados por milhares de sapatos caros. Centímetros a mais pra quem nem quer ser alta. Cento e sessenta centímetros bastam para enxergar o mundo ao redor. Pra ver o quanto somos felizes quando não nos importamos com nada. Ou quando fingimos que não importa. Porque sempre importa. Não somos obrigados a sair. Não somos obrigados a ver o que não gostamos, a conviver com o que nos incomoda. Mas não queremos ficar em casa enquanto a vida acontece. Não queremos perder a chance de experimentar o que nos é oferecido e de guardar na bolsa o que nos repugna. Mantemos por perto aquilo que tememos. Provamos o que nos faz mal. Desejamos perder os sentidos pra ver se a dor diminui, pra ver se a insegurança dá uma trégua. Vemos o mundo girar ao nosso redor, como se as paredes fossem cair a qualquer momento. Mas somos nós que caímos. Diante da vida e do que nos aflige. Acabamos num táxi, com o rádio ligado numa estação popular que toca uma música que não gostamos. Lembrando de coisas que não gostamos. Procurando na bolsa o que sobrou de nós mesmos. Chegamos em casa quase sem voz, com rímel até a bochecha. É bom tirar os sapatos, botar os pés no chão outra vez e ter de volta apenas os centímetros necessários pra viver. Deitar na cama, sentir o quarto girando e ouvir as batidas de música que ainda moram nos nossos ouvidos. Fechar os olhos e sentir que tudo acaba aqui. Passado e presente se misturam e acabam na manhã seguinte quando, então, o futuro chega. E ele chega com o sol iluminando mais um dia frio. Alguns trocados ainda restam da noite anterior. Os sapatos estão jogados no chão e os cabelos pedem um pouco de água e xampu pra levar embora o cheiro de cigarro. O cheiro daquela parte de nós que às vezes aparece pra mostrar que algo está errado. Um banho quente e tudo parece melhorar. Mais uma daquelas soluções momentâneas para os problemas que insistimos em adiar. É difícil encará-los quando há tanto pra viver, tantas músicas pra cantar, tantas ruas frias pra andar ao lado daqueles que realmente importam. No fim de tudo, quando só resta o silêncio, nada mais importa além das pessoas. Não é preciso maquiagem, nem roupas da moda, bebidas geladas, cigarros ou salto alto. Não é preciso músicas remixadas, personagens de contos de fadas ou romances instantâneos. No fim de tudo, quando passado e presente se tornam um só, o que basta é quem continua aqui apesar de tudo. É quem te olha e não precisa falar nada para que você entenda que não está sozinho. Nenhuma droga é capaz de provocar o que um olhar provoca. Nada conforta mais do que saber que existe alguém por você. Existe e sempre vai existir alguém, mesmo nos momentos mais escuros. Mesmo quando nada faz sentido. Assim como esse texto.
domingo, 27 de maio de 2012
Wonderwall
And all the roads we have to walk are winding
And all the lights that lead us there are blinding
There are many things that I would like to say to you
But I don't know how
And all the lights that lead us there are blinding
There are many things that I would like to say to you
But I don't know how
Essa é apenas uma música do Oasis para muitos. Pra mim, é a sua música. Ou melhor, a música que me faz lembrar de você, do dia em que eu não sabia pra onde olhar e como disfarçar minha cara de adolescente apaixonada. Ou pré-adolescente. Ou pré-apaixonada. Não sabia como não deixar transparecer o orgulho que eu sentia de você e o quanto eu gostava de ouvir a sua voz cantando Wonderwall. Cantando qualquer coisa. Seu jeito meio marrento de ser, um exibicionismo um pouco exagerado e quase despretensioso na maior parte do tempo. Tudo que eu sentia de bom por você se misturava e se confundia com o ódio que você provocava em mim. Eu queria te abraçar e ao mesmo tempo te dar um soco. Queria te beijar e ao mesmo tempo queria vomitar na sua cara. Queria te mandar calar a boca e parar de ser assim. Parar de rir de mim. Parar de ser tão indiferente e um tanto preconceituoso. Eu gostava tanto de ti. Eu te olhava tanto e você fingia não ver. Mas via. Você sempre me viu. Você sempre soube quem eu era e o que eu sentia e que, naquele momento, enquanto você cantava, eu te olhava e tentava disfarçar. Você sabia que num outro dia, quando te fizeram chorar, eu estava ali na sua frente sem saber o que dizer. Sem saber se eu passava a mão na sua cabeça, mexia nos seus cabelos e te dizia que não precisava chorar porque tudo ia ficar bem. Eu não sabia o que fazer. E não fiz nada. Fiquei ali, te olhando. Enquanto as pessoas ao redor achavam estranho o fato de alguém chorar por um motivo tão bobo, eu apenas te olhava. Era a prova de que por baixo de tanta arrogância tinha sentimentos bons. Tinha um pouco de fragilidade naquele menino que se mostrava tão forte e invencível. Lágrimas escorreram pelos seus olhos e você baixou a cabeça em cima da classe. Escondeu seu rosto pra ninguém ver. Mas eu estava bem na sua frente e podia ouvir. Seu choro. Assim como pude ouvir sua voz doce e macia cantando Oasis enquanto eu fingia que você era apenas mais um conhecido com um bom talento musical. Você não era só mais um. Nunca foi. Sempre foi importante, mesmo não dando nenhuma importância pra mim. E hoje, seis anos depois daquele dia, te ouço cantar uma música para aqueles se escondem. Talvez eu deva me encaixar neles. Eu me escondo às vezes. Concordo com alguém que fala mal de você e digo que não te suporto, mas não é verdade. Tá, é uma meia verdade. Mas a outra metade gosta um pouquinho de ti. Gosta de lembrar que tu é uma parte de mim que nunca vai morrer, um sentimento unilateral que vai continuar sendo unilateral pra sempre, mas não vai morrer. Não vou passar a canção. Não vou esquecer de quando falei contigo de madrugada, sem que você soubesse que era eu. Nunca ri tanto na minha vida. E nunca vou esquecer de você cantando Oasis. Nunca quis sorrir tanto na minha vida. Mas tive que conter os sorrisos pra tentar parecer normal. Pra tentar parecer imune a você. Não era. Não sou. Talvez nunca seja. Talvez você me atinja pro resto da vida com o seu olhar que finge não ver, com a sua voz que parece calar todos os sons ao redor. Talvez eu pergunte daqui a dez anos se você ainda lembra de mim e você diga que sim e eu ainda fique feliz com isso. Mas talvez você diga que não lembra. E aí eu não vou dizer quem eu sou. Vou simplesmente colocar meus fones de ouvido e sorrir todos aqueles sorrisos que escondi a seis anos atrás. Mesmo quando você não lembrar mais de mim, ainda lembrarei. Mesmo quando o silêncio surgir, ainda cantarei. Because maybe, you're gonna be the one that saves me. Maybe not.
sexta-feira, 25 de maio de 2012
Blusa colorida
Algo invadiu minha mente hoje. Algo denso, profundo e cortante. Não sei
ao certo como surgiu, nem de onde veio, mas sei o que ele provocou.
Quando minha mente foi invadida, senti um aperto no peito, um nó na
garganta. Senti lágrimas querendo sair dos olhos, mas permanecendo lá
porque ainda não é hora de rolar pelo rosto. Queria ser capaz de definir
essa sensação que me invadiu, mas creio que é impossível. Me senti
frágil, precisando de abraços quentes, precisando de alguém pra me
proteger do mundo e das coisas horríveis que descubro nele a cada dia.
Percebi que, às vezes, eu sou a culpada das coisas ruins que me
acontecem. Eu ajo errado, eu faço coisas sem pensar, sem notar às vezes.
Sinto vontade de abraçar alguém, mas não abraço porque algo me trava,
me impede de fazer o que quero. Tenho vergonha de demonstrar meus
sentimentos e de falar. Escrevo sobre eles constantemente, mas quando
preciso da voz ela não sai. Quando preciso que os meus braços fiquem em
volta de um outro alguém, eles simplesmente ficam grudados no meu
próprio corpo. Sorrio por dentro achando que estou sorrindo por fora
também quando, na verdade, estou com uma expressão que não define nada
do que estou sentindo no momento. Será que isso tem cura? Será que um
dia vou conseguir agir exatamente da forma como quero e como me sinto?
Será que um dia vou parar de me importar com o mundo ao meu redor e com o
que vão pensar a respeito das minhas atitudes? Hoje algo estranho me
invadiu e, por um segundo, eu vi tudo ficar escuro. Eu me senti sufocada
dentro de mim. Dentro dos meus pensamentos que não cessam, dos meus
sonhos utópicos, das minhas ilusões que insistem em continuar
preenchendo minha mente e fazendo com que eu dê com a cara nos postes
por aí. Dói. Dói bater a cabeça e dói mais ainda não poder fazer nada
pra parar essa sensação estranha que apareceu hoje. Talvez seja apenas
um reflexo do dia cinza, ou talvez aqui dentro é que esteja tudo cinza.
Preciso mesmo vestir aquela blusa colorida. Preciso mesmo passar batom e
deixar de ser tão assim. Tão branca, tão quieta, tão eu. Não vou deixar
de ser eu. Mas preciso encontrar um eu melhor. Um eu que sinta na
medida certa, que chore uma quantidade normal de lágrimas por ano, que
não tenha vergonha de distribuir abraços, não importa pra quem seja e
onde estivermos. Se for menino, menina, cabelo curto ou comprido, loiro,
moreno ou ruivo, não importa. Se alguém estiver olhando, se alguém
estiver comentando, rindo ou debochando, importa menos ainda. A única
coisa relevante é o que acontece comigo. É o que eu sinto, o que eu
penso, quem eu sinto, quem eu gosto. E não gosto disso que invadiu minha
mente hoje. Não gosto de sentir esse aperto no peito, essa sensação de
que algo está preso na minha garganta, me sufocando. Quero sorrisos.
Quero sol. Quero a minha blusa colorida e a coragem pra abraçar meu
amor, seja quem for.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Vamos nos permitir
E se eu
mudar de lado? E se eu acordar amanhã e discordar de tudo que eu
mesma disse no dia de hoje? E se eu resolver, de uma hora pra outra,
trocar de time, usar roupas de um estilo totalmente diferente do meu,
frequentar lugares que antes eu nem gostava de passar na frente? Será
que as pessoas vão me julgar?
É da
natureza humana essa dificuldade de lidar com mudanças e, quando diz
respeito às pessoas que estão ao seu redor, amigos e familiares, a
dificuldade fica maior ainda. Não é fácil aceitar que aquele seu
primo fanático pelo Grêmio agora virou colorado e aquela sua amiga,
que sempre falava mal dos roqueiros, agora vive frequentando bares de
rock. Não é fácil. Mas a vida é assim. Num dia chove e no outro
faz sol e temos que nos adaptar ao clima. Assim como temos que nos
adaptar às mudanças.
Ninguém
é obrigado a agir da mesma maneira a vida inteira. Como diria Raul
Seixas: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter
aquela velha opinião formada sobre tudo.” Eu prefiro me permitir
mudar. Conhecer o outro lado da história, descobrir coisas que eu
nunca tinha visto, experimentar coisas novas, até mesmo aquelas que
antes me repugnavam.
Só
temos uma vida e não podemos deixar de aproveitar cada segundo dela
por estarmos presos a paradigmas ou por medo do julgamento alheio.
Assim como é preciso aceitar que os outros também vão mudar. As
pessoas, mesmo aquelas que conhecemos há anos, sempre vão nos
surpreender, de maneira positiva ou negativa. E o mundo vai continuar
girando e deixando pra trás aqueles que resolveram ficar parados,
estagnados naquela velha opinião formada.
Então,
antes que o mundo gire e te deixe pra trás, pense naquela lista de
coisas que você disse que nunca ia fazer e risque o “nunca”.
Troque de opinião, se for preciso. Vá a lugares que você nunca
imaginou, use algo incomum, pinte o cabelo, ouça músicas de um
estilo diferente daquele que você sempre ouve, experimente o que
antes você costumava manter à distância. Permita-se. Não tenha
medo, nem vergonha, de mudar de lado.
sexta-feira, 18 de maio de 2012
O menino que não gostava de música
Igor era um garoto que não gostava de escutar música. Apesar de seu estilo meio roqueiro, aquilo nada tinha a ver com o que o garoto escutava. Porque ele simplesmente não escutava nenhum ritmo, nenhuma melodia. Tinha um rádio no quarto que havia sido ligado apenas uma vez, mas na metade da primeira música o cômodo já estava no mais puro silêncio outra vez.. Os pais de Igor tentavam de tudo. Colocavam CD's pra tocar com o objetivo de chamar a atenção do menino para as canções mas, assim que se ouvia o primeiro verso da primeira música, Igor já estava trancado novamente no seu quarto. Nem mesmo psicólogos e psicanalistas conseguiram compreender o porquê deste repugno pela música. Igor não ia a festa nem bares, tinha vários discos que ganhara de presente, mas nunca ouvia nenhum deles. Até que um dia, o silêncio morreu.
Numa tarde de domingo, enquanto o garoto andava pelo parque olhando as crianças que brincavam na grama e ouvindo apenas o som de risos e conversas alheias, um outro ruído lhe chamou a atenção. Mas não era um ruído, era uma melodia macia, que parecia lhe acariciar os ouvidos. Igor parou. Tentou identificar de onde vinha aquela voz e então seguiu o som. Foi quando a viu. Uma menina de cabelos cacheados, vestida num estilo meio hippie, meio rock, sentada na grama, sobre uma manta florida. Ela tocava violão com tanta leveza, que parecia estar passando os dedos nos cabelos de alguém que gostava. E sua voz era ainda mais linda quando se ouvia de perto. Igor nem conseguia prestar atenção na letra, não importava pra ele o que a música dizia, pois qualquer coisa dita ou cantada por aquela voz de cabelos cacheados se tornaria poesia.
Igor ficou escutando a música por alguns minutos e, então, foi embora. Foi embora antes da canção acabar, porque não queria presenciar o fim de algo tão perfeito. Foi embora sem falar com a moça, pois não queria perturbá-la com sua voz grossa e feia. Não queria falar com ela porque, se falasse, ela se calaria e o que Igor queria guardar na memória era o som daquela voz infinita.
Naquele dia, quando chegou em casa, estava com um sorriso no rosto. A mãe do garoto achou estranho, pois ele estava sempre sério e quieto. Pela primeira vez, ela ouviu um 'eu te amo' vindo da boca do filho e recebeu dele o abraço mais caloroso de toda sua vida. Igor deixou a mãe sorrindo na cozinha e foi para o quarto. Tirou todos os CD's da prateleira, ligou o rádio e começou a escutar cada um deles mas, desta vez, prestando atenção na letra. E foi então que percebeu como as músicas podiam lhe dizer coisas lindas, algumas alegres e outras tristes, e como era possível se identificar com vários versos das canções.
O garoto ficou horas trancado no quarto, entorpecido com acordes e melodias. Não encontrou nenhuma voz tão linda e mágica como a da menina do parque, mas encontrou outra coisa muito mais importante. Igor encontrou vida dentro de si mesmo. Às vezes a gente só precisa abrir os olhos - e os ouvidos - para perceber que o mundo é bem maior que o nosso quarto, que existem muitas coisas lindas para serem vistas e ouvidas e que o preconceito, seja ele qual for, só nos impede de ouvir a música. Quando entendermos o que as letras dizem e o que o som das vozes nos provoca, vamos parar de julgar aqueles que dançam.
Agora, Igor dança. Em festas e também sozinho no seu quarto. Nunca mais viu a menina do parque, mas nunca vai esquecer que, apenas com o som da sua voz, ela conseguiu mudar a vida dele. Pra sempre.
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